quinta-feira, 5 de julho de 2007

estupidez ilimitada

Copio abaixo mais uma do Calligaris porque gostaria que muitas pessoas pensassem a respeito.
Na coluna de hoje na Folha de SP ele trata de comportamento de grupos e, como de costume, ele aproveita para 'cutucar' em sentido amplo: criticar muitos e fazer o leitor pensar em contexto abrangente. Diplomaticamente ele consegue mostrar (uma das) bandas podres da sociedade brasileira (diplomacia que me falta, infelizmente).

é interessante a idéia de que "a inteligência humana tem limites, a estupidez não tem"!
Embora inicialmente possa transparecer a idéia de que as bestialidades em grupo fossem atenuadas pela natureza dos grupos, ao final ele deixa claro que não, que um grupo nao produz, apenas revela os bestiais.


CONTARDO CALLIGARIS

Quadrilhas de canalhas

Está com medo de tornar-se doméstica ou prostituta? Bata em pobres, índios e putas

EM POUCAS linhas, na Folha de sexta, dia 29 de junho, Eliane Cantanhêde descreveu perfeitamente o mundo no qual é possível que rapazes de classe média queimem um índio pensando que é "só um mendigo" ou espanquem uma mulher pensando que é "só uma prostituta". Provavelmente, não teria sido muito diferente se eles tivessem pensado que era só uma empregada doméstica.
É um mundo em que a permissividade é o melhor remédio contra a inevitável insegurança social. Nesse mundo, os pais fazem qualquer coisa para que seus rebentos acreditem gozar de um privilégio absoluto; esse é o jeito que os adultos encontram para acalmar sua própria insegurança, para se convencer de que eles mesmos gozam de privilégios garantidos e incontestáveis. Como escreveu Maria Rita Kehl no Mais! de domingo passado, nesse mundo, aos inseguros não basta ser cliente, é preciso que eles sejam clientes especiais.
Uma classe média insegura é o reservatório em que os fascismos sempre procuraram seus canalhas. Você está com medo de perder seu lugar e, de um dia para o outro, tornar-se índio, mendigo ou empregada doméstica? Pois é, pode bater neles e encontrará assim a confortável certeza de seu status. Aos inseguros em seu desejo sexual, aos mais apavorados com a idéia de sua impotência ou de sua "bichice", é proposto um remédio análogo. Você provará ser "macho" batendo em "veados" e prostitutas.
Há mais um detalhe: a inteligência humana tem limites, a estupidez não tem. Essa diferença aparece sobretudo no comportamento de grupo. Imaginemos que a gente possa dar um valor numérico à inteligência e à estupidez. E suponhamos que o valor médio seja dois. Pois bem, três sujeitos mediamente inteligentes, uma vez agrupados, terão inteligência seis. Com a estupidez, a coisa não funciona assim: a estupidez cresce exponencialmente. A soma de três estúpidos não é estupidez seis, mas estupidez oito (dois vezes dois, vezes dois). Quatro estúpidos: estupidez 16. Cinco: estupidez 32.
Curiosamente, essa regra vale até chegar, mais ou menos, a um grupo de dez. Aí a coisa tranca: a partir de dez, torna-se mais provável que haja alguém para discordar da boçalidade ambiente. Não porque, entre dez, haveria necessariamente um herói ou um sábio, mas porque, num grupo de dez, quem se opõe conta com a séria possibilidade de que, no grupo, haja ao menos um outro para se opor junto com ele.
Esse funcionamento, por sua vez, decai quando o grupo se torna massa. É difícil dizer a partir de quantos membros isso acontece, mas não é preciso que sejam muitos: um grupo de linchamento, por exemplo, pode desenvolver toda sua estupidez coletiva com 20 ou 30 membros.
Em alguns Estados dos EUA, é permitido dirigir a partir dos 16 anos. Mas, em muitos condados desses Estados, vige uma lei pela qual um jovem, até aos 21 anos, só pode dirigir se houver um adulto no carro. Pouco importa que esse adulto seja habilitado a se servir de um carro. O problema não é a perícia do motorista, mas o fato estatístico de que três, quatro ou cinco jovens num mesmo carro constituem um perigo para eles mesmos e para os outros: o grupo de "amigos" potencializa a estupidez de cada um, muito mais do que sua inteligência. Talvez seja por isso, aliás, que, para o legislador, a formação de quadrilha é um crime em si.
Qualquer pai de adolescente reza ou deveria rezar para que seu filho encontre rapidamente uma namorada e passe a sair na noite com ela, não com a turma dos amigos. Pois a turma é parente da gangue.
Como se sabe, o pai de um dos cinco jovens que, na madrugada do dia 23 de junho, na Barra da Tijuca, espancaram Sirlei Dias de Carvalho Pinto, comentou, defendendo o filho: "Prender, botar preso junto com outros bandidos? Essas pessoas que têm estudo, que têm caráter, junto com uns caras desses?". É o desespero de quem sente seu privilégio ameaçado: como assim, tratar a gente como qualquer um?
Não éramos "clientes especiais"?
Mas as frases revelam também a distância entre o filho que o pai conhece em casa (o filho que teria "caráter") e o filho que se revela na ação do grupinho (esse filho não tem "caráter" algum).
O que precede poderia ser entendido como uma atenuante, tipo: eles agiram assim não por serem canalhas, mas por estarem em grupo. Ora, cuidado: o grupo não produz, ele REVELA os canalhas.

ccalligari@uol.com.br

2 comentários:

Alisson Veras disse...

Nós homens, somos no fundo animais e não há como se opor a essa verdade. Pela religião fomos ensinados que somos diferentes dos demais animais na terra, por termos sidos criados à imagem e semelhança dele, mais uma forma de nos sentirmos diferentes e "escolhidos", mas a verdade é que a nossa inteligência é, ou deveria, ser utilizada para conter nossos instintos animais agressivos. Outros animais vivem na natureza em sociedade harmônicamente, cada um no seu lugar, e isso potencializava o crescimento do todo. Hoje, todos nascemos e crescemos para sermos presidentes e líderes natos (ou formados). A sociedade nos impõe essa necessidade, assim como para as moças que precisam ser extremamente magras. Dai a importância, por um outro lado, da religião para contenção das massas, para fazer com que todos se sintam felizes na paz do senhor, independente da sua situação social, porque no final, os céus serão daqueles que conhecem e praticam as leis divinas. Talvez uma forma de conter os instintos animais, como agressividade e o sexo!
Nas discussões neste Blog sempre vemos o lado ruim da religião, em que poucos extorquem os muitos, os enganam e manipulam, mas não será a religião uma importante "arma" na contenção dos exageros? A religião faz lavagem cerebral, molda as pessoas e "tira sua individualidade", mas numa sociedade, não é disso que precisamos? Pensar no coletivo? Acho que de maneira indireta, esse é o benefício desse mal, a religião!

Alisson Dias Junqueira disse...

Joe,
As religioes atuam sim nas massas, mas não so na 'contenção de exageros'! Muitas vezes é mesmo no sentido inverso: vide o Oriente Médio, ou grande parte das guerras passadas.
Nos não precisamos 'tirar a individualidade' das pessoas para a vida em sociedade! Precisamos apenas limitar e restringir os exageros pessoas que atuam contra a sociedade saudavel. E neste caso, manter sim a individualidade de cada um. Parece um paradoxo? Eu diria que é uma sutileza.
Historicamente as religioes preencheram lacunas (governando territorios, conduzindo 'as almas', educando, cuidando de doentes, 'tampando' as ignorâncias humanas...).
No mundo atual muitas pessoas sabem que uma igreja não é eficaz nem eficiente em nenhum dos papéis que elas 'gostam de desempenhar', e por isso o poder e a influência das religiões tem sido reduzido gradativamente.

Sendo curto e grosso como eu gosto: as religiões não passam de um instrumento de poder. Como vc disse, essa fome de poder é um dos instintos animalescos humanos.